Memória de Curto Prazo

Nas aulas de desenho que ministro observei que muitos alunos têm dificuldade de desenhar porque não guardam o que vêem e quando vão riscar no papel já esqueceram como deveria ser o traço (curto ou longo, inclinado ou reto). Procuro alertar para o fato de que, se colocarem a figura ou foto trabalhada na mesma posição da folha a ser desenhada e ao lado da mesma, fica mais fácil o movimento do olhar e a memorização dos detalhes do que vai ser desenhado. As dificuldades que observei em alguns alunos me fizeram questionar porque alguns alunos pareciam não guardar a imagem que eles focaram décimos de segundos antes e não conseguiam reter, pois, quando iam desenhar, saia totalmente diferente.

Procuro orientar sobre as técnicas básicas de desenho e sempre iniciamos um objeto ou figura traçando uma linha de centro ou eixo de referência, o que facilita muito na hora de o aluno captar detalhes do desenho. Como este é um processo de construção da forma – e não de exercício da criatividade -, nos guiamos por uma imagem através de fotos ou ilustrações ou mesmo através da colocação de objetos numa mesa. Nosso objetivo é trabalhar o objeto respeitando a proporção entre a largura e altura e, posteriormente, trabalhar o sombreado dando noção de volume. Observo que alguns alunos não conseguem reproduzir os traços mesmo estando tão perto e não tendo mais do que décimos de segundos entre um movimento e outro, o olhar e o traçar. Muitas vezes achei que o aluno não prestava atenção e fiquei achando que tinha alguma dificuldade de aprendizagem mas ultimamente tenho questionado se não tem a ver com a memória ou mais precisamente a memória visual.

Gostaria de ir mais fundo nestas observações e trocar idéias sobre o que tenho avaliado. Tenho pensado muito na hipótese de desenvolver um método mais eficiente de estimular esta memória e consequentemente facilitar o processo do aprendizado de desenho, será que isto é possível?

Alguns Cientistas do Kennedy Center for Research on Human Development Vanderbilt Vision Research Center y Center for Integrative & Cognitive Neuroscience descobriram uma região do cérebro possivelmente responsável do velho ditado: “olhos que não vêm, coração que não sente” ou “fora da vista fora da mente”. Este estudo analisa a capacidade de armazenamento de imagens observadas numa cena. Cita a memória visual a curto prazo como responsável pela apreensão destas imagens e situa no córtex parietal posterior do cérebro a região aonde este processo acontece no ser humano.

Nestas experiências foram usadas ressonâncias magnéticas para examinar as regiões cerebrais que se iam ativando nas mudanças no fluxo sangüíneo e na oxigenação destas regiões à medida que uma série de pessoas realizavam provas de memória visual. Os participantes viam umas imagens que continham entre uma a oito objetos coloridos. Depois de um dia ou um segundo depois das provas perguntava-se sobre a imagem que tinham acabado de ver. Normalmente as pessoas recordavam bem todos os objetos nas cenas observadas que continham quatro ou menos objetos e começavam a cometer erros na altura de descrever imagens com um maior número de objetos, o que indica que a capacidade de armazenamento de memória visual a curto prazo é de aproximadamente quatro”.  – (fonte: http://salud.medicinatv.com)

Sempre procurei focar o olhar numa direção limitada quando desenho, consigo representar muita coisa da forma observada mas noto que divido o meu desenho por partes. Após uma visão geral quando observo a altura e largura da forma e risco estes limites no papel, venho traçando os detalhes e ai, finalizo o desenho. Será que isto resulta num maior detalhamento do desenho? Quando observo que meus alunos não conseguem desenhar o que vêem será que não tem a ver com a quantidade de informações que eles armazenam? Será que não tentam memorizar tudo e se perdem na hora de executar seu desenho?

Desenhar não é simplesmente recordar a quantidade dos objetos ou sua cor.  Precisamos guardar dados de sua estrutura tais como: altura, largura, profundidade, textura, luz e sombra e etc. talvez por isso aqueles que tem mais dificuldade de desenhar na realidade podem ter uma memória visual menor do que outros. Se for assim mesmo, qual poderá ser a causa para esta diferença?

Numa entrevista que o Professor Izquierdo concedeu para a Revista Argentina de Neurociências (RAN), reproduzida na Cérebro & Mente, ele respondeu questões relativas à neurobiologia da memória. Veja abaixo uma destas questões:

RAN: As memórias que persistem ficariam acumuladas por meio de uma mudança nos circuitos cerebrais, fundamentalmente, ou além disso existe síntese proteica?

Há um processo de síntese proteica, toda a bioquímica que, como comentei brevemente, ocorre no hipocampo, desemboca na ativação de fatores de transcrição por proteínaquinase A e síntese proteica.
Quais são as proteínas que são sintetizadas? Sabemos relativamente pouco. Há uma que conhecemos muito bem, que é outro fator de transcrição, e que se chama C-FOS; sobre ela sabemos que sua síntese é necessária para que se estabeleça a memória. Por outro lado, há uma síntese geral de proteínas no hipocampo e noutras estruturas, que é tardia e necessária, pois se ela é inibida não há memória.
Também há síntese de glicoproteínas que formam a matriz extracelular; e isto ocorre no hipocampo e nas conexões do hipocampo com outras estruturas. Então, é de se presumir que todo o processo de síntese proteica em uma sinapse que está ativada nesse momento desemboca em uma mudança em sua adesividade celular, através dessas glicoproteínas ou de outras coisas que ocorrem numa sinapse que foi específicamente ativada. Essas são as sinapses que são fortalecidas, e que depois mudam sua estrutura, inclusive.
As células hipocampais que formam a memória recebem mais ou menos 10.000 terminações sinápticas excitatorias cada uma e podemos supor que em determinadas memórias se ativam dez, noutras cem e noutras mil dessas conexões, enquanto que em outras, nada. Em uma terceira memória se ativam aquelas outras duas que não ocorreram na primeira, e assim por diante. Dessa maneira se formam padrões complexos, de tal forma que uma mesma célula pode participar em muitissimas memórias. Portanto, qualquer uma delas acaba afetando a essa célula, inclusive morfológicamente. Entretanto, uma vez que essa célula tenha se alterado, ela vai processar de forma distinta não somente a memória que ela armazenou, como outras coisas parecidas, por exemplo, que envolvam sinapses vizinhas, no caso.”

Se existe na formação da memória um processo bioquímico de síntese protéica será que a deficiência de certas proteínas ou componentes bioquímicos afetam e determinam a facilidade ou a dificuldade de aprendizagem seja do ato de desenhar ou mesmo a apreensão de conteúdos de aprendizagem.

Se isto for procedente poderíamos ser capazes um dia de testar, diagnosticar e remediar esta falha bioquímica e promover um desenvolvimento efetivo da aprendizagem.

Por outro lado o próprio ato de desenhar me fez muitas vezes observar problemas com alunos que não foram diagnosticados com outros professores me fazendo crer que por este processo de memorização rápida, que ocorre no ato de desenhar, podemos detectar mais facilmente dificuldades de aprendizagem ou distúrbios de memória antes da avaliação empreendida por outros processos.

Será que além de testar a memória de fatos e palavras como muitos testam, não seria útil testar a memória visual através do desenho para pesquisar precocemente problemas de memória?

A Síndrome do Déficit de Atenção (S.D.A.), como é chamada atualmente, já foi denominada, em meados de 1947, de Lesão Cerebral Mínima, e posteriormente, em 1962, de Disfunção Cerebral Mínima e Hiperatividade. Após estudos, a Associação Psiquiátrica Americana, segundo Christiane Araújo Angelotti (1996), propôs uma nova denominação em 1980, utilizando o termo Síndrome do Déficit de Atenção. A adoção desse termo ocorreu para “englobar tanto a hiperatividade quanto outros sintomas e, também, por não se tratar de uma disfunção propriamente dita e sim uma falta de maturação do Sistema Nervoso Central que tende a amenizar com o passar dos anos”, (Angelotti, 1996). – Denise Mendonça de Melo – Psicóloga- JF

Muitas vezes achei que a falta de atenção do aluno é que o levava a não conseguir reproduzir o desenho como ele observava, muitas vezes a diferença de proporção e direção das linhas era tão gritante que parecia que estavam fazendo outro objeto diferente não o da foto ou imagem que estava ao seu lado. A Síndrome do Déficit de Atenção como vimos acima está associada a hiperatividade e associada a uma falta de maturação do Sistema Nervoso Central. Será que este distúrbio pode estar relacionado a memória de curta duração? Se o sistema nervoso central tem relação com o cérebro não poderia estar também relacionado com a carência da síntese protéica que afetaria também a memória? Não sei se é possível ligar estes fatos mas acho que estas duas questões estão interligadas.

Se houver uma relação entre estas duas situações talvez poderíamos entender o que alguns dizem: para desenhar tem que ter habilidade. Seria esta habilidade simplesmente resultado de uma característica genética, ou seja já poderíamos ter nascido com uma capacidade bioquímica maior que outros o que determinaria nas pessoas o que chamam de “dom” para o desenho, que não seria nada mais do que uma facilidade maior de manipular sua memória e transportar estes dados de forma mais eficiente e rapidamente. E está facilidade não poderá ser exercitada? Não poderá ser estimulada?

* Fonte: Medicina TV.com
** Entrevista concedida à Revista Argentina de Neurociências (RAN).
E-mail: [email protected] Tradução e adaptação para o português: Prof. Renato M.E. Sabbatini

Rose Valverde
Professora de Artes – Desenho Artístico

 

Reportagem recente apresenta novidades, vejam!

25/11/2008

Medicamento para a atenção ajuda a reter a memória
RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Um experimento que investigou a deterioração da memória ao longo do envelhecimento mostrou que uma droga usada para tratar déficit de atenção em crianças hiperativas pode aumentar a taxa de lembrança em pessoas de todas as idades. O metilfenidato -conhecido pelo nome comercial ritalina – fez com que pessoas de todas as idades tivessem pontuação melhor em testes de memória, afirmam pesquisadores da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

O objetivo primário do experimento relatado em estudo na revista “PNAS” (www.pnas.org), porém, não era sugerir o uso de drogas para melhorar o desempenho cognitivo, e sim investigar os mecanismos neurológicos envolvidos na memorização. A descoberta que os cientistas descrevem é que o desempenho de adultos para reter memória só tem declínio quando são consideradas informações “incidentais”.

Comparada a uma pessoa de 25 anos, por exemplo, outra de 45 anos tem mais dificuldade para lembrar a que filmes assistiu na TV na semana passada. Usando familiares “infiltrados” na casa dos voluntários da pesquisa, os neurocientistas Iván Izquierdo e Martín Cammarota conseguiram comprovar isso.

Essa diferença poderia ser explicada apenas pelo fato de que adultos mais velhos acumulam mais responsabilidades e precisam lidar com mais informação. O uso da ritalina, porém, fez com que o desempenho dos adultos mais velhos melhorasse nos testes, mostrando que a teoria da “cabeça cheia” não é 100% válida. Há um claro componente biológico envolvido no processo, afirmam os cientistas, que deram a droga apenas a voluntários que já a haviam tomado no passado.

Besteiras deletadas

Izquierdo, porém, explica que a dificuldade para reter memórias incidentais não é um sinal de deterioração mental e pode até estar ligada a características que conferem vantagem a pessoas acima dos 40.

“Nós não incentivamos [o uso dessa droga] e, pelo contrário, estamos dizendo claramente que essa perda de memória não necessariamente deve ser tratada”, disse o neurocientista em entrevista à Folha. “Pode ser que essa persistência limitada da memória seja útil, porque então nós não enchemos a cabeça de besteiras –como os filmes de TV da semana passada– e passamos a nos lembrar mais das coisas importantes.”

Um segundo teste conduzido pelos pesquisadores foi diferente, e pediu aos voluntários que memorizassem um pequeno texto em vez de espioná-los no sofá de casa. O desempenho dos adultos de 41 a 50 anos foi praticamente o mesmo dos voluntários de 16 a 40, em provas aplicadas dois e sete dias após a leitura. Para esse tipo de memória “formal”, dizem os cientistas, não ocorre declínio significativo com a idade.

Pílula do estudo

O uso da ritalina, porém, melhorou o desempenho de todos os voluntários no teste. Segundo Cammarota, isso mostra que a persistência de uma memória pode ser manipulada após a sua aquisição, com drogas que promovam a dopamina, um transmissor de impulsos nervosos no cérebro.

“A administração de ritalina 12 horas depois das circunstâncias a serem lembradas melhorou tanto as memórias dependentes da idade [incidentais] quanto as independentes”, diz.

Intelectuais dos EUA relatam que já há universitários e pesquisadores saudáveis consumindo ritalina para melhorar a atenção nos estudos. Izquierdo diz não saber se os resultados de seu trabalho vão incentivar o uso da droga também no período pós-12 horas, quando a memória ainda se consolida.

“Não acho uma boa idéia”, diz. “Drogas usadas de forma crônica podem ter conseqüências secundárias sérias e, se uma droga requer receita para um tratamento em particular, é para isso que deve ser usada.”

Foto em Destaque: Aula de Desenho em Quadrinhos do CEM